"A TEOLOGIA CARISMÁTICA DE VINCENT CHEUNG: UMA LOUCURA —— CHARLIE J. RAY"




                                                                               


Os reformadores ingleses Hugh Latimer e Nicholas Ridley a caminho do martírio por fogueira (Oxford 1555). (Hermann Schweder. Pintura. Fonte: <wikimedia>. Domínio público.)


Os textos em negrito são as falas de Cheung



Tenho o prazer de anunciar que fui condenado como “rebelde” por mais outro carismático. Sim, Vincent Cheung disse publicamente, ao vivo e em escrita, que os cristãos que não creem na continuidade dos dons carismáticos para hoje ou não a “praticam” estão “em rebelião contra Deus”. (Você pode conferir o artigo publicado por meio do seguinte endereço: <http://www.vincentcheung.com/2009/03/22/cessationism-and-speaking-in-tongues/>.) Eu sugeriria encarecidamente a Cheung que não tentasse andar sobre as águas caso ele mesmo não saiba nadar; isto é, não tente fazer algo que você não consegue fazer. (Confira também o seguinte endereço: <http://www.vincentcheung.com/2009/03/09/cessationism-and-rebellion/>.)

É triste ver como Cheung tenta desviar-se das críticas que recebe alegando não ser nem reformado nem carismático (ele afirma isso também em seu artigo “Cessacionismo e o Falar em Línguas”). Bem, eu concordo com o fato de ele não ser reformado; mas alegar não ser carismático enquanto praticamente tudo o que ele tem escrito em defesa do continuísmo é idêntico aos mesmos velhos argumentos (dos quais já tanto estamos fartos de ouvir) e também idêntico àqueles apresentados e promovidos por outros arminianos e “reformados” carismáticos é um bom indício de que Cheung está apenas tentando negar o óbvio.

Além do mais, ao recusar cegamente diferenças teológicas entre batistas particulares e presbiterianos confessionais, Cheung deixa transparecer uma falta de compreensão básica da doutrina Sola Escritura:



Alguém pode pensar que um cristão precisa ser batista ou presbiteriano, e caso uma pessoa afirme os sacramentos batistas e ao mesmo tempo o governo presbiteriano (ou qualquer coisa que supostamente seja batista e ao mesmo tempo outra supostamente presbiteriana), logo ela necessariamente estará errada, e a base para dizer isso é que de acordo com este alguém, ambas as categorias são incompatíveis. Porém, este é um argumento fraco e não diz nada a respeito de se a doutrina desta pessoa está certa ou errada. Por sua vez, este tipo de argumento demonstra-nos que o entendimento crítico do mundo cristão é limitado a um conceito estrito entre batistas e presbiterianos; ele é como um sapo preso ao fundo de um poço, e sua compreensão do Paraíso é tão pequena quanto o espaço por meio do qual o animal é capaz de enxergar o céu.
O mundo cristão é bastante amplo. Só porque uma pessoa crê na doutrina bíblica da predestinação não quer dizer que ela tenha aprendido dela com Calvino. Talvez ela tenha a aprendido por meio de Agostinho; talvez através de Hodge, ou Shedd, ou Berkhof. Talvez ela tenha aprendido dela com Vincent Cheung, ou com você, ou com seu pastor. E que tal isto: talvez ela tenha, sozinha, lido na bíblia e aprendi nela! Mas… isto é possível? Quero dizer, é possível que uma pessoa leia passagens bíblicas e efetivamente aprenda doutrinas bíblicas nela? (V. Cheung, “Cessacionismo e o Falar em Línguas”) [1]*


Nesta citação, Cheung expõe seus pressupostos anabatistas. Em outras palavras, Cheung pensa que a doutrina do sacerdócio de crentes e o direito à interpretação particular das Escrituras significam literalmente que todos os cristãos são guardas solitários e isolados que leem a bíblia isolados da igreja. Tal ideia não poderia estar mais longe da verdade. A doutrina reformada não é solOEscritura, mas sim solA Escritura. O direito à interpretação particular significa que pessoas leem as Escrituras juntas, como uma igreja. Tendo em vista que a bíblia deve ser pregada e interpretada, há de se ter um padrão pelo qual se julga e diferencia a heresia da verdade. Os reformadores protestantes defenderam que o padrão último é a Escritura somente, percebendo, no entanto, que não há interpretação perfeita das Escrituras e que, assim sendo, era necessário existir um meio de corrigir aqueles que torciam as Escrituras para sua própria destruição (2 Pedro 3:15-16). E tal padrão é, para a tradição presbiteriana inglesa, a Confissão de Westminster e os Catecismos Maior e Menor; para os reformados alemães, é as Três Formas de Unidade; e para a reformada anglicana, é os Formulários Anglicanos (os Trinta e nove Artigos da Religião, o Livro de Oração Comum de 1662, e o Ordinal junto às Homílias). Ainda que os símbolos ou padrões reformados de doutrina estejam sempre sujeitos ao erro e à correção, e embora todos estes tenham por autoridade máxima e inequívoca as Sagradas Escrituras, não significa que possamos abordar as confissões reformadas de modo leviano. Elas constituem afirmativas doutrinárias de autoridade; apartar-se delas é um erro sério.

Cheung, como a maioria dos pentecostais e carismáticos, focaliza na experiência, ainda que alegue dar foco às Escrituras e à razão. A hermenêutica pentecostal consiste em dizer que a experiência deve ser parte vital na exegese das Escrituras; desse modo, para o pentecostal, somente aqueles que experimentaram o batismo com o Espírito Santo podem entender corretamente as Escrituras e que, além disso, revelações cheias de êxtase são possíveis quando se crê nas Escrituras. Para o pentecostal/carismático, à semelhança do católico romano, a Escritura em si mesma é insuficiente; algo a mais é necessário para se passar duma experiência espiritual de conversão fraca a uma mais alta, na qual se há entrega total, vitória e uma vida de autoridade. Cheung quer distanciar-se do movimento pentecostal/carismático mais genérico negando que sua própria teologia seja experimental. Todavia, nessas tentativas ele somente consegue revelar-se como alguém que tem muito mais afinidade com a religião experimental do que com as proposições lógicas das Santas Escrituras e confissões reformadas.



Roger Stronstad, em seu artigo “Tendências na Hermenêutica Pentecostal” para o site Enrichment Journal, fornece um esboço da abordagem pentecostal à interpretação bíblica:

Bem como Martinho Lutero é o fundador do luteranismo, João Calvino da teologia reformada e John Wesley do metodismo, Charles F. Parham é o fundador do pentecostalismo. Sim, Parham não foi o primeiro a falar em línguas. Em certo sentido, esta honra coube à senhora Agnes N. ozman; em outro sentido, o nascimento do movimento pentecostal representa o ápice da intensificação crescente das experiências carismáticas diversas que ocorriam entre movimentos avivalistas e da igreja pentecostal Fé Apostólica. O que faz de Charles F. Parham o pai do pentecostalismo, de Topeka (Kansas) a capital do movimento pentecostal e de Agnes Ozman o primeiro pentecostal não foi uma experiência singular, mas sim uma nova compreensão hermenêutico-bíblica das experiências que lá ocorreram.

Charles F. Parham legou ao movimento pentecostal a hermenêutica definitiva do pentecostalismo; por consequência, legou-lhe também sua teologia e apologética definitivas. Sua colaboração surgiu da questão difícil que é a interpretação do segundo capítulo de Atos, e da convicção de que a experiência cristã no século 20 “deve corresponder exatamente à bíblia, (mas) nem a santificação nem a unção que permanecem [hoje] … correspondem ao segundo capítulo de Atos”. Daí, ele registra: “Eu pus os alunos para estudarem com diligência qual era a evidência bíblica do batismo com o Espírito Santo, a fim de que pudéssemos, todos nós, irmos ao mundo com algo inquestionável, visto estar completamente de acordo com a Palavra”. E então ele conta qual foi o resultado destas investigações por meio das seguintes palavras: “Eu deixei o instituto por três dias, e lá eles ficaram com essa tarefa enquanto eu ia à cidade de Kansas para três dias de culto. Eu voltei ao instituto na manhã anterior à Vigília de Ano Novo de 1900.

Por volta das 10h da manhã, eu toquei o sino, chamando todos os alunos até a Capela para que eles me entregassem os registros a respeito da investigação feita. Para meu espanto, todos eles tinham o mesmo relato, o de que várias coisas aconteceram no momento em que a bênção de Pentecostes desceu; a prova incontestável consistia em que todos falaram em línguas”.

Nos registros de Parham, nós encontramos as distinções essenciais do movimento pentecostal, a saber: (1) a convicção de que a experiência de hoje deveria ser idêntica à do cristianismo apostólico; (2) a distinção entre o batismo com o Espírito Santo e a santificação (assim como os movimentos de Santidade [ou Perfeição Cristã/Total Santificação] já haviam o distinguido da conversão/incorporação); e (3) que o falar em línguas era evidência/prova incontestável do batismo com o Espírito Santo.

Descobrir que o falar em línguas era a prova inquestionável do batismo com o Espírito Santo se confirmou no dia seguinte, em que uma das estudantes do Instituto Bíblico Bethel, Agnes Ozman, teve uma experiência. Ela testificou que “o espírito da oração estava sobre nós no início da noite. Eram quase 19 horas no dia 1º de janeiro quando me veio ao coração o direcionamento de pedir ao irmão Parham que ele impusesse suas mãos sobre mim, para que eu recebesse o dom do Espírito Santo. Quando suas mãos foram impostas sobre minha cabeça, o Espírito Santo desceu sobre mim e eu comecei a falar em outras línguas, glorificando a Deus. Eu falei diversas línguas, e isso ficava claramente manifesto quando um novo dialeto era falado”.

Agnes Ozman foi a primeira mas não a última a falar em línguas naquele instituto bíblico. Até o dia 03 de janeiro de 1901 outros estudantes haviam também falado em línguas, e não muito tempo depois até o próprio Parham. Tendo sido questionada a respeito da experiência que tivera, a senhorita Ozam “citou referências bíblicas, demonstrando que ela tinha sido batizada de acordo com Atos 2:4 e 19:1-6.



Tendo em vista que o relato acima representa uma descrição exata da posição pentecostal clássica, podemos também encontrar a mesma justificativa para as experiências no movimento carismático num âmbito mais geral, especialmente nos supostos “reformados” carismáticos, como Wayne Grudem e Vincent Cheung, embora Cheung tente desviar-se das críticas afirmando que ele próprio não pode ser posto na mesma categoria dos demais. A premissa básica das teologias pentecostal e carismática, num sentido mais amplo, consiste em afirmar que a experiência cristã deveria repetir a experiência do primeiro século de cristianismo apostólico conforme é relatada na bíblia. A proposição lógica é a de que as Escrituras encorajam e ordenam esta imitação. Cheung obviamente concorda com esta “ordenança” para se operar milagres, falar em línguas, profetizar, prever o futuro e ter conhecimento sobrenatural (o qual é impossível mediante meios naturais: palavras de conhecimento e palavras de sabedoria). Em suma, Cheung, bem como a maioria dos carismáticos, crê que a lei moral ordena aos cristãos modernos que “experimentem” todos os dons, entre eles a operação ativa de milagres. Cheung declarando que os cessacionistas estão “em rebelião contra Deus” é prova suficiente para que eu possa afirmar isso.

E também, como outros carismáticos, Cheung tenta esgueirar-se assim que avaliações críticas de oponentes começam pressionar suas posições. Ele fornece respostas dúbias, querendo fugir da discussão assim que pressionado acerca da impossibilidade de se operar milagres a bel prazer, como se vê a seguir:



Não apaguem o Espírito. Não tratem com desprezo as profecias (1 Tessalonicenses 5:19-20 – NVI)

Os versículos 19-22 discutem a política apostólica acerca das profecias. Paulo escreve “Não tratem com desprezo as profecias” e ordena aos cristãos que “ponham à prova todas as coisas”. Cessacionismo é a falsa doutrina declarando que as manifestações dos dons miraculosos, como aqueles listados em 1 Coríntios 12, cessaram assim que os dias dos apóstolos e o cânon da bíblia se completaram. Embora não exista evidência bíblica para se manter tal posição, uma das principais motivações para esta invenção é a de garantir a suficiência e a peremptoriedade (conclusão) das Escrituras. Entretanto, tem sido demonstrado que, na realidade, a continuidade de manifestações miraculosas não contradizem nem põe em cheque ambas as doutrinas. (1) Por conseguinte, o cessacionismo é tanto antibíblica como desnecessária.

Mais do que isso: o cessacionismo é também maligno e perigoso. E isso se dá porque, caso esta doutrina seja falsa, aqueles que a defendem estão pregando a rebelião contra o Senhor. A bíblia ordena aos cristãos que “Sigam o caminho do amor e busquem com dedicação os dons espirituais, principalmente o dom de profecia” (1 Coríntios 14:1 – NVI). E caso o cessacionismo seja verdadeiro mas ainda não saibamos disso, nós assim podemos seguramente obedecer essas instruções, ainda que não recebamos o que desejamos. Isto é, se as profecias cessaram e eu ainda ache que tenham continuado, ainda assim eu poderia desejar o dom de profecia de acordo com a ordenança dada, mas não recebê-lo. No fim das contas, nenhum dano foi sofrido. (2)

Por outro lado, visto que o cessacionismo ensina que as profecias cessaram, segue-se que, ainda que a bíblia diga “busquem com dedicação os dons espirituais”, o cessacionista não os buscará com dedicação, porque os dons espirituais não mais operam e aqueles que as pessoas supõem ter são necessariamente falsos. Este pensamento também se aplica às profecias, especificamente falando. E assim, embora Paulo diga que “não tratemos com desprezo as profecias”, o cessacionista as tratará com desprezo, pois ele crê que as profecias cessaram e, portanto, todas elas atualmente são falsas. A visão do cessacionista acerca das profecias é “rejeite todas as coisas” ao invés de “ponha à prova todas as coisas”. Mas repito, se o cessacionismo for falso, o cessacionista estaria pregando a rebelião contra a ordenança bíblica de se buscar com dedicação e testar as manifestações espirituais. Visto serem reveladas por autoridade divina e infalível as ordenanças de “buscar com dedicação os dons”, “não tratar com desprezo as profecias” e “pôr à prova todas as coisas”, o cessacionista terá de apresentar um argumento infalível para tratá-las como inaplicáveis para os dias de hoje. E se ele não conseguir fornecê-lo, mas ainda assim persistir defendendo o cessacionismo mesmo perante dessas ordenanças bíblicas explícitas, não fica óbvio que ele está condenando a si mesmo para Deus, mesmo que ele esteja certo quanto aos dons terem cessado? Nenhum cristão deveria ousar seguir pessoas assim nem crer em suas doutrinas. Se alguém pregar o cessacionismo, mas não conseguir prová-lo (se ele não puder fornecer um argumento infalível para essa doutrina, uma vez que a ordenança de buscar com dedicação manifestações é evidente e infalível), significa que esta pessoa prega conscientemente a rebelião contra algumas das ordenanças bíblicas mais diretas. Segue-se, portanto, a pergunta: por que ele não deve ser retirado do ministério ou até mesmo excomungado da igreja?

Visto que os argumentos a favor do cessacionismo são forçados, débeis e que a doutrina apresenta um perigo imenso, o melhor a se fazer é crer na bíblia como ela mesma se apresenta e obedecer às ordenanças como elas mesmas se declaram (isto é, “buscar com dedicação os dons espirituais” e “pôr à prova todas as coisas”). Posicionar-se desta maneira é ser fiel às declarações claras e diretas feitas nas Escrituras, mas é necessário resistir corajosamente aos argumentos falaciosos, às chacotas acadêmicas e às tradições de igrejas. (Vincent Cheung, Cessacionismo e Rebelião)




São tantas as falácias lógicas encontradas nesta breve citação, que se faz necessária uma resposta mais prolongada. Mas antes de demonstrar os erros cometidos nas proposições feitas por Cheung, percebam que ele segue a proposição proposta por Charles Parham, a saber, que nossa experiência [hoje] deve ser idêntica às experiências da igreja apostólica no primeiro século, conforme estão registradas na bíblia. Que isto se trata de um non sequitur deveria ser suficientemente óbvio. Só porque as Escrituras relatam que Judas se enforcou não quer dizer que a narrativa deve tornar-se normativa aos cristãos de hoje. O velho clichê “Judas se enforcou (…) vai, e faze da mesma maneira” [2] é redundante, mas pode ser aplicado a este caso. A premissa usada mas não mencionada do silogismo de Cheung é que o continuísmo se trata de um argumento a fortiori, a única exegese possível nas Escrituras. É claro que ele dá várias voltas para negar este tipo de crítica, mas o uso que ele faz da navalha de Occam como justificativa para atuar com o salto de fé não é uma prova lógica para fundamentar que sua interpretação pressuposicional do texto como sendo intrinsecamente continuísta esteja correta. O uso que Cheung faz da analogia da navalha é facilmente provado na nota de rodapé n. 2 [3]:

Caso as profecias tenham cessado, mas eu continue pensando que elas ainda podem acontecer, eu desejarei [ter o dom de profecia] e não o receberei; em seguida, é possível que eu pense tê-lo recebido (possibilidade que existe porque eu acredito na falsidade de que ele continua) e então profetize, o que seria uma falsa profecia. De fato existe um perigo aí, mas o problema não está em pensar que as profecias continuam ativas ainda hoje, mas sim em acreditar que eu tenho o dom sendo que eu não o tenho. É um assunto que está relacionado, porém num âmbito diferente, tratado na instrução de Paulo, a qual é pôr à prova a suposta profecia, não estabelecer a doutrina antibíblica do cessacionismo. (Vincent Cheung, Cessacionismo e Rebelião)



A lógica usada por Cheung é, na melhor das hipóteses, especulativa. Se o cessacionista estiver errado, ele estará em rebelião contra a lei moral de Deus. Agora, se o continuísta estiver errado, ele estará apenas cometendo uma falha sincera, mas sem rebelar-se contra Deus. Na visão de Cheung, a posição carismática pode causar dano, mas não é nociva. Mais uma vez, a visão de Cheung supõe que as Escrituras impõem ordenanças morais normativas a cada momento e instante da história em que a operarão dos dons sobrenaturais apostólicos foram concedidos pela providência soberana de Deus à igreja do primeiro século. Para Cheung, uma teologia sinérgica, que segue os pressupostos “armínio-wesleyanos” da teologia da santidade apresentada por Charles Parham entre outros pentecostais, é instantaneamente óbvia. A premissa de uma teologia sinérgica é que os cristãos possuem habilidade inerente de obedecer a ordenança moral de “buscar os dons”, isto é, operar os mesmos atos miraculosos e sobrenaturais que os apóstolos no primeiro século operavam. Se alguém der uma profecia que acrescenta às Escrituras ou as contradizem (Provérbios 30:5-6; Deuteronômio 4:2, 12:32; Apocalipse 22:7, 22:19 [KJV no original, ACF em português]), Cheung não considera isso como heresia, mas meramente como algo nocivo. Além disso, meramente afirmar que se deve ressuscitar o morto ou curar o doente não significa que as pessoas terão a capacidade de obedecer as ordenanças dadas nem que Deus é obrigado a agir conforme o desejo dos cristãos de curar o doente, ressuscitar o morto ou falar em línguas idiomáticas mediante meios sobrenaturais. A criatura não está no controle dos dons distribuídos pelo Espírito Santo. Somente Deus pode conceder dons sobrenaturais e, por conseguinte, cabe a Deus se estes dons estarão ou não ativos nos dias de hoje (1 Coríntios 12:11).

E pode ser que seja Cheung (e não nós) quem está em rebelião, visto que é ele quem impõe uma lei ou norma que cristãos por si mesmos não podem obedecer. Até mesmo G. H. Clark diz que Deus é a causa última tanto do bem como do mal; assim sendo, se Deus quiser que dons sobrenaturais passem a operar, Ele não precisará de nenhuma ajuda vinda do crente. Se Deus quisesse que os cristãos [de hoje] operassem milagres, Ele colocaria esse desejo em seus corações e, por meio deles, realizaria-os, pois Ele é Deus. Mas Deus também poderia, se quisesse, enviar um espírito de engano para enganar o altivo e o orgulhoso. Ele poderia causar que Cheung, entre outros, cresse numa mentira. Outro julgamento divino se mostra presente caso os milagres que Cheung defende não estejam sendo realizados (2 Tessalonicenses 2:11-12).

Cheung responde dizendo que a bíblia afirma claramente que nós precisamos pôr à prova os efeitos dos supostos atos miraculosos:

Próprio a esta abordagem bíblica está a proteção contra carismáticos fanáticos e falsos milagres. A bíblia nos ensina a “pôr à prova todas as coisas”, e uma vez que esta ordenança é suficiente, ela é capaz para revelar milagres falsificados e falsas profecias. A resposta não consiste em dizer que os dons cessaram, mas em seguir as instruções que a bíblia já nos deu no assunto em questão. Esta posição, em que devemos seguir o que as Escrituras dizem, nos daria proteção perfeita mesmo se o cessacionismo fosse verdadeiro. Se as profecias realmente cessaram, então qualquer profecia de hoje é falsa. E visto que a bíblia é uma revelação suficiente, o conhecimento dado por ela nos capacitará a “pôr à prova todas as coisas”, e assim qualquer suposta profecia dada hoje será posta à prova; sendo encontradas como falsas, serão condenadas, e se forem tais que não possam ser postas à prova, serão ignoradas (Vincent Cheung, Cessacionismo e Rebelião)


Talvez uma posição melhor seja perceber que nem tudo ordenado nas Escrituras seja normativo para os dias de hoje. Quando a bíblia declara que um homem não pode ter cabelo comprido, ninguém hoje em dia toma isso como uma ordenança normativa absoluta, que obriga os homens cristãos do tempo presente a sempre terem seus cabelos curtos (1 Coríntios 11:1-16). A maioria das mulheres, hoje, nega-se a comparecer aos cultos de adoração a Deus tendo suas cabeças cobertas por um véu. Estariam elas assim em rebelião contra Deus? Obviamente, a maior parte dos cristãos hoje responderia que não. Sendo assim, a declaração a fortiori de Cheung, de que cessacionistas estão em rebelião contra Deus, não passa de uma suposição ou de um pressuposto da parte dele. Cheung, querendo provar que os cessacionistas estão em rebelião contra Deus, não nos apresenta nada além de mera especulação. “Se isso é verdade, então aquilo é verdade: agora isso é verdadeiro, portanto aquilo é verdadeiro” se trata da mesma falácia lógica empregada pela ciência empírica. Em essência, o erro de Cheung é o de declarar a conclusão (ou afirmar o consequente) em suas premissas. John W. Robbins, citando o filósofo Bertrand Russel, demonstra esse raciocínio empírico como falacioso:

Um dos problemas que a ciência apresenta é que, diferente da bíblia, ela é absolutamente ilógica. O matemático, lógico e filósofo Bertrand Russell, em seu ensaio “As limitações do Método Científico”, faz a seguinte observação:

Todos os argumentos indutivos, como último recurso, reduzem-se à seguinte fórmula: “Se isso é verdade, então aquilo é verdade: agora isso é verdadeiro, portanto aquilo é verdadeiro”. Este argumento é, claro, uma falácia formal. Suponha que eu diga: Se o pão é uma pedra, e pedras alimentam, então este pão me alimentará; agora que este pão me alimenta, segue-se, portanto, que ele é uma pedra, e pedras estão me alimentando”. Se eu avançasse neste argumento, eu certamente seria considerado um tolo, ainda que tal estrutura de raciocínio não seja fundamentalmente diferente dos argumentos sobre os quais todas as leis da ciência são baseadas.

Isto é o mesmo que dizer que todas as leis científicas estão baseadas em argumentos falaciosos [John W. Robbins prefaciando o livro A Filosofia da Ciência e a Crença em Deus, por Gordon H. Clark. (Unicoi: The Trinity Foundation) p. xi].



Basicamente, o argumento de Cheung não é um apelo às Escrituras, mas à experiência seguinte à leitura das Escrituras; isto é, o continuísmo é uma experiência que Cheung afirma ser justificada com base na suposta exegese das Escrituras que ele apresenta. A visão de Cheung é igual à carismática, a saber, que a experiência é necessária para se ter uma interpretação apropriada do texto. Ao apelar dessa maneira, o experiencialismo de Cheung está sujeito à mesma crítica que Gordon H. Clark fez contra a ciência empírica.

A verdade é que os cristãos não são obrigados a crer na doutrina carismática, que demonstra ser uma experiência eixegética, que torce o texto para dizer aquilo que os carismáticos querem que ele diga. A abordagem correta deixa que a bíblia fale por si mesma em seu próprio contexto cultural, conforme o texto se apresentou à audiência original da época. Isto precisa ser estabelecido para que o texto possa ser adequadamente aplicado aos cristãos de hoje. Cheung deseja pular essa fase e, direto de sua própria exegese, já passar à aplicação. (Para ler um pouco sobre interpretação da bíblia, clique <aqui>.)

As Escrituras, ao contrário de Cheung, são suficientes para tudo o que um cristão necessita de conhecer para ser salvo (2 Timóteo 3:15; Romanos 10:4-12). Uma fé simples em Cristo, em Sua obediência ativa vivendo uma vida sem pecado, e a satisfação objetiva pelos pecados de Seus eleitos na cruz são suficientes para a salvação (1 Timóteo 2:5-6). Não é necessário confirmar mais uma vez aquilo que já fora confirmado por todos os milagres que Cristo operou (Marcos 16:20; Hebreus 2:4; Romanos 15:18-19). O mesmo argumento se aplica ao que diz serem os sinais necessários à edificação (Efésios 4:11-12). Visto que Cheung argumenta afirmando que a continuidade dos dons é uma “ordenança” de Deus, o ônus da prova é dele, e é ele quem precisa demonstrar que sua exegese das Escrituras está correta e que é normativa para o presente momento. Cheung, até agora, não fez mais do que apresentar declarações vazias baseadas em pressupostos sem fundamento. De acordo com os argumentos que venho apresentando em outros escritos, os únicos milagres em que o cristão é obrigado a crer são os que foram registrados nas Escrituras. Cheung deixa isso subentendido quando diz que tudo nos dias de hoje deve ser posto à prova pelas Escrituras (Mateus 7:15; 1 João 4:1, 2:18, 2:22; Jeremias 29:8; 2 Pedro 2:1). É realmente incrível como Cheung consegue dizer que o cristão que rejeita o continuísmo está em rebelião contra a lei moral de Deus.

Cheung diz que ele não precisa produzir qualquer tipo de milagres ou resultados. Com essa dissimulação, ele intenta afirmar a ordenança nua e crua sem assegurar que os resultados serão alcançados ou até mesmo se eles poderão ser falsificados ou verificados. Deste modo, para todos os fins práticos, a visão de Cheung é irracional. As premissas que ele apresenta são erradas; e não somente as premissas, mas também as conclusões.


 Autor : Charlie J Ray

Notas:

[1] Todas as citações, incluindo as de V. Cheung, foram traduzidas pelo Razão Piedosa, e não extraídas de qualquer outro site (caso fossem, teríamos citado fonte e créditos).
[2] Em inglês, “Judas hanged himself (…) go and do likewise”. Expressão utilizada para demonstrar como a leitura descontextualizada das Escrituras (p. ex., selecionar aleatoriamente versículos fora do contexto, como que folheando a bíblia no “uni-duni-tê”) pode ser destrutiva.
[3] No original, a nota de rodapé foi retirada ou modificada de lugar no texto desde que este artigo foi escrito.

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